Músicas de Raphael

domingo, 8 de julho de 2012

O Aperto de Mão de Bituca


Aquilo que eu menos esperava, e mais esperava, aconteceu.

Ontem, pela segunda e última vez, Milton Nascimento se apresentou no Festival de Jazz de Copenhague de 2012.

Niels no lado de fora da Politikens Hus.
Foi mais ou menos por ali que encontramos Bituca.

Como eu não tinha ido ao primeiro show por questões econômicas, cheguei cedo – talvez até cedo demais  – junto com meu amigo dinamarquês Niels, pra tentar garantir um lugar na primeira fila. Tão cedo que a Politikens Hus - o local da apresentação - ainda estava fechado. Como não queríamos ficar sentados na calçada, decidimos ir tomar um vinhozinho, em qualquer lugar próximo dali.

A decisão não poderia ter sido melhor.

Pois, no caminho de volta, quando conversávamos sobre as músicas de Bituca (apelido pelo qual Milton também é conhecido), e eu estava justamente cantarolando as primeiras linhas de “Sentinela” pra ver se Niels a reconhecia, ele me interrompeu e, em dinamarquês, disse: “Aquele cara ali na frente parece... será que é o Milton Nascimento?”

Meu mundo parou. A alguns metros de distância, numa rua chamada Vester Voldgade, estava o nosso homem de Três Pontas, Minas Gerais, caminhando com um grupo de amigos em direção à já mencionada Politikens Hus.

Ele é mais baixo do que eu esperava, e os seus quase 70 anos de idade pareciam pesar bastante sobre cada um de seus vagarosos passos. 

Depois de uma confusão momentânea, Niels e eu aceleramos um pouco, e quando já estávamos ultrapassando Bituca e seus amigos, notei que eles estavam num silêncio que quase não me atrevi quebrar – quase. Sem saber o que dizer, eu disse logo tudo:

- Milton Nascimento.

Ele parou e olhou para mim através de seus óculos escuros, com aquela mesma calma, aquela timidez, tranquilidade, simplicidade sobre a qual eu já tinha lido tanto, e já tinha visto tanto nos vídeos pelos youtubes da vida. Mas nunca assim, a um metro de mim.

Sem praticamente nenhuma palavra e nem um sorriso, talvez tímido ou talvez surpreso ao encontrar um brasileiro nesse lugar tão distante, ou quem sabé até cansado de não passar despercebido nem mesmo nas ruas de Copenhague, ele estendeu a sua mão, e apertou a minha. De novo sem saber o que dizer, o que saiu da minha boca foi o mais simples e honesto possível: “Um prazer. Sou seu fã.”

Depois disso, pronto. Ele também cumprimentou Niels, e continuou andando. Eu cumprimentei seus amigos, e depois também continuei andando, mas sempre meio que olhando pra trás, sem realmente crer no que acabara de acontecer.

Pode até parecer tietagem adolescêntica  –  e talvez seja mesmo –, mas pra mim foi imensamente importante encontrar com “o compositor de ‘Travessia’” em carne e osso, ver que ele não é ficção científica mas sim fato real, um cara tão humano quanto eu. 
Um nome que sempre conheci, desde minha infância, e do qual me tornei fã incondicional desde 2007 – cinco anos que não são nada perto dos 50 anos impecáveis de carreira que ele tem, mas são cinco anos que tiveram um impacto profundo e sem precedentes na minha vida musical. Foi por causa da música do Bituca que eu parei de escrever músicas pop-psicodélicas em inglês – algo que, segundo a revista dinamarquesa Gaffa, eu até sabia fazer  – e comecei a tomar coragem de escrever letras em português, buscando sempre encontrar aquilo que trouxe comigo do Brasil, ao invés de tentar imitar sentimentos estrangeiros. Encontrar com esse "personagem" tão importante da Música Popular Brasileira  –  o mais importante pra mim  –  foi, no mínimo, inspirador. 

O show em si foi indescritível, mas vou tentar relatar um pouco do que ouvi e do que vi. 

A voz de Milton Nascimento ainda é linda, divina. É como se a Música em si só existisse pra ele cantar e mais nada, e cada nota transbordada de sua garganta fosse um rio quebrantando uma represa, inundando tudo com seu som.

Foram décadas de composições geniais muito bem representadas nessa noite de sábado. “Cais”, “Ponta de Areia” e “Canção da América” foram de arrepiar. Ele não se mexe muito no palco, o que não faz diferença alguma, pois sua energia é suficiente. Mas quando se mexe, ele sabe como animar o público, fazendo todo mundo bater palma e cantar junto em certas partes de “A Lua Girou” e “Maria Maria”. Até em “Para Lennon em McCartney” teve gente que cantou junto quando ele pediu – algo que nem ele esperava de um público 90% dinamarquês.

E a banda também foi perfeita: talentosa e experiente. Composta por Wilson Lopes (guitarra/violão),  Kiko Continentino (piano/teclado), Lincol Cheib (bateria) e Enéias Xavier (baixo), esse é um grupo que sabe quando “jazzificar” bem seu estilo em canções como “Vera Cruz” e “Lília” – com improvisações que só podem ser resultado de muito estudo teórico e muita técnica –, mas que também sabe como “popificá-lo” em canções como “Nos Bailes da Vida” e “ Coração de Estudante”. E sempre acompanhando bem Bituca, prestando atenção no que ele canta, toca, e se moldando bem em volta de sua magnífica idiossincrasia musical, única e original, que hipnotiza a todos os ouvintes. 

Bituca fez aquilo que Caetano Veloso não soube fazer quando se apresentou no festival de jazz de Copenhague em 2010: tocou somente seus clássicos, "the greatest hits", de todas as suas fases, para todos os gostos. Afinal de contas, não poderia se esperar que os gringos conhecessem os seus trabalhos mais recentes, que, apesar de bons, não representam o Milton Nascimento no auge de sua carreira. 

Não tenho do que reclamar. Só rolou coisa boa. Quer dizer, se for pra reclamar, só mesmo d'ele näo ter tocado "Morro Velho", que pra mim é sua canção mais bonita de todas. Eis o setlist:

      1. Bola de Meia, Bola de Gude. 
      2. Canção do Sal
      3. Caçador de Mim
      4. From the Lonely Afternoons (e “Maria Três Filhos” no solo)
      5. Lília
      6. Encontros e Despedidas (não estou certo se ela foi tocada exatamente nessa ordem)
      7. Canção da América
      8. Cravo e Canela


                   (pausa)
  1.       Coração de Estudante
  2.       Vera Cruz
  3.       Nos Bailes da Vida
  4.       Cais (pra mim foi a melhor, com direito a Milton sentando no piano no fim da música e tocando aquela melodia da versão encontrada no disco“Clube da Esquina”)
  5.       Fé Cega, Faca Amolada
  6.       Ponta de Areia/Saídas e Bandeiras
  7.       Travessia
  8.       Para Lennon e McCartney
           (bis)

           9.        Maria Maria

           10.      A Lua Girou 



Enfim, se existisse uma voz que movesse montanhas, seria a voz de Milton Nascimento. Mas ele não precisa: a sua voz são as montanhas. As montanhas de Minas, do Brasil, e do mundo inteiro.

É um aperto de mão que nunca vou esquecer.    





Um comentário:

  1. Olá , passei pela net encontrei o seu blog e o achei muito bom, li algumas coisas folhe-ei algumas postagens, gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns, e espero que continue se esforçando para sempre fazer o seu melhor, quando encontro bons blogs sempre fico mais um pouco meu nome é: António Batalha. Como sou um homem de Deus deixo-lhe a minha bênção. E que haja muita felicidade e saude em sua vida e em toda a sua casa.
    PS. Se desejar seguir o meu blog,Peregrino E Servo, fique á vontade, eu vou retribuir.

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