Músicas de Raphael

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Candeia, sol e mar.

Candeia, sol e mar é o título que resolvi dar a esse blog ainda em fase de experimentação. Não por causa da paisagem ao meu redor, que no momento tá pra mais pra negrume, neve e nuvens, mas sim pelo meu estado de mente.

É o meu terceiro inverno na Dinamarca desde que voltei no início de 2007, e pela terceira vez uma forte onda de brasilidade vem junto com ele. Não sei se é pura coincidência ou se existe algo dentro de mim tentando fugir do frio. Só sei que adoro sair pelas ruas de ventos glaciais ouvindo Milton cantando "Que vontade eu tenho de sair num carro de boi, ir por aí. Estrada de terra que só me leva, só me leva... nunca mais me traz..." É uma beleza.

Desde de julho de 2003, acho que só passei um total de 13 ou 14 meses no Brasil (6 em 2005 e uns 8 em 2006-07), em contraste com uns 18 meses nos Estados Unidos, e agora mais de 3 anos na Dinamarca. Porém, esses "poucos" meses afetaram minha brasilidade de modo forte e inesperado. Talvez pelo fato de que em 2005, em Salvador, eu tenha descoberto João Gilberto (quem iniciou a minha infinita adoração pela música brasileira), meu amor por tudo que é tupiniquim só cresce. Música é o que me move. Mas claro que também existe o famoso fator saudade, o qual não nego. A vontade de rever minha família, meus amigos, de estar com eles, com certeza me fazem sentir mais Brasil dentro de mim. Ultimamente, até futebol eu voltei a assistir.

Mas o que é o Brasil, e o que é ser brasileiro no meio de tanto viking? Para a maioria por aqui, ser brasileiro é basicamente gostar de futebol e gostar de praia. Para certos músicos, eu represento o samba e a bossa (às vezes até tango, salsa, mambo :P). Mas e pra mim, o que é ser brasileiro além da nossa música?

Depois desses anos morando em terras estrangeiras, com certeza fui mudado de forma que não teria sido se nunca tivesse saído de Recife. E tudo indica que, brasileiramente falando, eu mudei pra pior. Será?

O fato, por exemplo, de que quando me mudei pr'os EUA, comecei a me forçar a pensar em inglês. Alguém tinha me dito que ajudaria muito com a língua, obviamente, e naquela época eu cria que moraria lá por muitos anos, quem sabe pra sempre, então por que não? Eu me forcei tanto que agora penso naturalmente em ianquês. Totalmente anti-Brasil. Mesmo aqui na Dinamarca eu penso em inglês, a não ser talvez quando vou pra escola de música.
Nesses últimos dias, com a saudade nova que bateu da minha terra, tentei pensar em português de novo, mas não foi fácil. Não está sendo fácil. Quase todas as frases, orações, etc, vêm naturalmente em inglês, então muitas vezes é como se eu tivesse que traduzi-las pra português, nem sempre com sucesso. É um português-inglês(-dinamarquês). Infelizmente, esqueci muitas expressões originais do meu idioma, e isso é meio que idiótico. Quando falo com meus pais no telefone, às vezes me enrolo pra explicar coisas triviais. Uma vez quando falava com Fernanda e Rodrigo no skype, o termo "dor de garganta" simplesmente não veio à mente (sore throat, ondt i halsen...?). E às vezes vejo palavras nos e-mails do meu pai ou de amigos que nem entendo direito. É uma vergonha. Afinal de contas, eu tinha 16 anos completos quando deixei Recife, e pelo que lembro eu já falava um bom português naqueles dias! É patético. Como posso me chamar de brasileiro numa situação como esta?
As únicas palavras que vêm tranqüilas pra mim são os palavrões. Ah, o prazer de xingar na minha língua natal. Isto ainda não me tiraram.

Contudo, creio que minha brasilidade não se limite ao português (hehe). Mas e o fato d'eu não saber cozinhar um prato regional sequer? Minha namorada vem me pedindo pra fazer algum prato especial desde o dia em que voltei, e o máximo que fiz foi achar um loja brasileira em Copenhague, comprar pães-de-queijo mineiros congelados, e esquentá-los no forno. Parabéns. Ela nem gostou muito. Até usei desculpas como "não temos panela de pressão pra fazer feijão" ou "não há muito que possamos achar aqui na Dinamarca", mas no fim, a minha sogra achou uma receita online de comida brasileira e fez um prato delicioso quando a visitamos há duas semanas atrás. Bendita mulher.
Cá entre nós, acho que nunca sequer gostei da maioria dos pratos regionais e tal. Tsc, tsc. Claro que a verdade é que eu nunca me interessei em aprender a cozinhar prato algum de país algum, mas como representante brasileiro na Dinamarca eu deveria saber fazer ao menos uma feijoada, mesmo que não vá comê-la.
Mas por enquanto, continuemos com as batatas danesas.

E o fato de saber tão pouco sobre a literatura brasileira? Pergunte-me se já li algum livro de Machado de Assis. "Li metade de Dom Casmurro em 2003, vale?". O que li de literatura brasileira se limita ao que li na escola até a oitava série (e nem lembro o que foi!). Depois disso, meu bem, é mais fácil me perguntar sobre a biografia de Franz Liszt ou John Lennon do que as obras Carlos Drummond de Andrade. Na minha adolescência cheguei a flertar com Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, com a galera do romantismo e modernismo em geral, até com o português Camões, mas foi tudo muito superficial. Com certeza sairia com cara de burro numa conversa sobre os grandes escritores da Língua Portuguesa. E se conhecê-los e aprecia-los vai me fazer mais brasileiro, estou no caminho errado.

Será que é isso? Deixei de ser brasileiro? Será que agora sou simplesmente mais um produto do Novo Mundo Globalizado, sem identidade, sem tradição, um mero cigano da mente, um bastardo cultural?

O negócio é que, sabendo destas coisas ou não, o meu Brasil brasileiro meu mulato inzoneiro, eu nunca cantei tanto os seus versos. E isto não significa que eu queira pegar o primeiro avião pra Salvador e deixar tudo que vinha construindo aqui, pelo contrário. Apesar de em certa ocasião até ter perguntado pra Nadia se ela viria morar comigo no Brasil (e ela disse sim), e de não me importar se um dia tiver que voltar, eu estou muito bem aqui, por mais que a saudade me machuque. É a minha segunda casa, essa Terra Invernal. E o que não me mata só me faz mais forte. Meu amor fica mais forte.

Até deixar o Brasil pela terceira vez em 2007, eu nunca tinha romantizado tanto o fato de ter sangue indígena, de minha mãe ser do interior da Amazônia, de minha avó ser espanhola, de ter alguns tataravós portugueses, do meu pai vir de uma cidade perdida no meio de São Paulo, e de minha irmã ser da terra de Djavan e Hermeto Pascoal. Nunca tinha valorizado tanto coisas como a viagem com meu pai pra Arco-verde ao som de Chitãozinho e Xororó; a viagem de três dias com minha família pra São Paulo (de carro!); os apartamentos de Douglas em Setúbal e de Rodrigo em Boa Viagem; o inverno de 2000 com meu primo Diony dirigindo eu e Mônica pra tudo que é lugar em Recife; as tardes e noites com Fabien, Bruna e Gustavo em Salvador; os anos no Colégio Americano Batista; João Henrique, Daniel, Thiago Gomes, Big-big, Lucas, Alberdan, Wágner, Jero; Habacuque, Pedro Victor, Pedro Paulo, Denilton, Henrique; as meninas; as paqueras; as cartinhas; a timidez; eu brincando de carrinho com meus tênis no escritório do meu pai; o meu gol na final dos Jogos Internos que nos fez campeões; o dia que ganhei um kit e uma bicicleta de tanto comprar salgadinho na cantina; as tardes infinitas na Igreja Batista Emanuel; Guga, Wesley, Weber, Gilbertinho, Raphael; RPG; o apartamento de Wesley e Weber, perto da floresta misteriosa que ainda não visitei; o coral infantil; o coral de adolescentes; as locadoras; o bairro Espinheiro; a Rua da Hora; Mariluze, Rosa e Bete; a Rua Amélia; o Restaurante Peng; o apartamento dos meus tios e minhas primas; a Livraria Cultural; as revistas sobre dinossauros, pedras preciosas, Cavaleiros do Zodíaco; álbuns de figurinhas, gibis; o edifício Venezuela; jogar futebol e quebrar tetos, carros, braços, mãos, pernas, línguas, dentes, e tudo que for quebrável e proibido; invadir uma casa abandonada na esperança de criar uma sociedade secreta até David derrubar um imenso pedaço de pau na minha perna; David, Juninho, Victor, Nathália, Jorginho, Balinha, Dante, Danilo, Filipe, Pedinho, Cabeção, César, Pipo, Léo, Titico, Rodrigo, Bruno, Crezo; sempre descalços, a não ser Titico; a empregada de Cabeção gritando pra ele ir pra casa jantar; o preconceito dele e de outros pelo fato d'eu ser o único crente no prédio; eu imitando a empregada de Cabeção; jogando Mario no supernintendo de Jorginho e Mortal Kombat no de David; os porteiros do Venezuela; o misterioso oitavo andar; tocando as campainhas e sair correndo; o interfone; a Bela e a Fera; a hierarquia; resgatando os gatinhos das ruas e cuidado deles até que Çaçá ou Batista chutassem eles pra fora no meio da noite; brincar de "coisa em pessoa" com Juninho; brincar de bonecos; de Lego; "Batida salvetodos!!!"; pega-pega; meu pai zerando Alex Kidd no Master System; Jurassic Park; as Copas de 94, 98, 2002; os jogos do Sport com Jorginho e seu pai, com Victor, com David, com meu pai; dançar Michael Jackson com Dante; dançar Backstreet Boys com ele, Nathália, Jorginho, Filipe, e David (acreditem se quiserem!); assistir Chiquititas (passado mais tosco); as primas americanas de Titico; as revistas pornôs que achamos no meio dos carros na garagem; Victor batendo a cabeça na pilastra e a gente achando que ele tinha perdido a memória. Agora eu ri de verdade :P. Nunca tinha visto tanto sangue. E as conversas nas escadas, Marquinhos falando pra gente sobre pessoas que eram abduzidas e eu sem conseguir dormir; o eterno amor pelos E.Ts, olhando para o céu pela janela a noite, morrendo de medo e ao mesmo tempo torcendo que viessem; as barrigadas fatais de Victor e Nathalia; os bolos que minha mãe fazia; a nossa tartaruga; o Pau-Brasil no CAB; raspando o cabelo só porque Habacuque tinha raspado; xixi na cama; verdade ou conseqüência; o Ôco; os fogos no São João de Igarassu; Peroba; as estrelas em Peroba; a Jaqueira; minha mãe colecionando conchas...

Acho que agora achei minha resposta.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

De volta?

Meu pai diz que, apesar de ser da música, não devo parar de escrever.

Eu realmente não sei o que ele viu no blog no qual eu escrevia há tempos. Mas tudo bem, vou tentar mais uma vez.

Desde que parei de postar há 4, 5 anos atrás, tentei voltar umas 4, 5 vezes, e nunca deu certo. Não sei se é porque cansei de escrever, ou se é porque não tenho o que dizer. Até tentei em inglês, para que talvez meus amigos daqui se interessassem. Mas nem eu me interessei. Hoje em dia, o pouco que escrevo vai para música, ou para longos e-mails que escrevo para meus amigos tão distantes.

Será esse o momento certo de voltar?

De qualquer jeito, estou atrasado. Depois ajeito isso. Piano, aqui vou eu.