Músicas de Raphael

domingo, 26 de setembro de 2010

O Exílio de Raphael(?)

Escrevo das terras verdes da Suécia, o país cuja natureza é a mais bonita que vi nesses cinco anos de Europa. As cidades em si não são muito diferentes das dinamarquesas, mas as montanhas, meus caros, as montanhas verdes e geladas, quietas e estranhas, são o que faz a diferença.

É o lugar que mais visitei desde que vim para a Dinamarca pela primeira vez, em 2005. A família de Gry, que me hospedava naquela época, sempre viajava de carro, e me levava a muitos lugares, principalmente pela Suécia.

Como poderia esquecer meus primeiros dias europeus? Cheguei na Dinamarca, e no dia seguinte já estava num carro no meio da vizinhança sueca. Os pinheiros, alces, ursos, lagos e uivos, me fascinaram.

Os dinamarqueses em geral têm uma certa rixa com seus vizinhos, assim como brasileiros e argentinos, que também se estende ao futebol. Contudo, eu nunca neguei minha paixão por esse país.
E no decorrer daqueles primeiros 12 meses na Europa, eu o revisitei várias vezes, conhecendo as mais variadas cidadezinhas, aprendendo a esquiar e passando o Natal ao lado de um lago congelado pelo frio, com direito a caminhadas pelas selvas nórdicas com Jonas, e às vezes até sozinho. O problema de ir sozinho foi, ao ouvir latidos que pareciam vir de lobos, fiquei apavorado, sai correndo, escorreguei no gelo e meti o joelho numa rocha imensa. Mal pude andar por um ou dois dias. Mas até disso lembro com carinho.

Cheguei a ir a cidade de Gotemburgo duas vezes, na última delas pra ver a banda Sigur Rós pela primeira vez, que felizmente naquela época ainda não gravava esses discos alla indie-pop-rock de hoje em dia, e graças a um amigo meu fui pro camarim e conversei com a banda inteira. Foi legal.




 Já alguns anos depois, peguei o avião com Katy e fomos à capital, Estocolmo: outra maravilha. Apesar de Katy ter ficado de saco cheio de mim em certo ponto, chegando até a quase brigar por causa do fato de que eu tinha achado o filme "Australia" um fracasso, nós aproveitamos bem a cidade, passeamos muito, vimos altas coisas, e dormimos de graça no apartamento de um casal que nem conhecíamos, graças ao método de couchsurfing . No final, foram dias bons para dizer tchau a minha amiga americana que estava voltando para o Texas poucos dias depois da nossa viagem.

Por alguma razão, ou talvez por razão nenhuma, eu nunca tinha visitado Malmö.

Malmö é a terceira maior cidade da Suécia, depois das já mencionadas Gotemburgo e Estocolmo. Fica no sul, na região de Skåne, e, de trem, fica a 35-40 minutos de Copenhague, a mesma distância de Roskilde (onde eu morava) pra lá.
Não precisava de carona, e podia voltar no mesmo dia se quisesse. Vários amigos meus na época de intercambista em 2005-2006 fizeram isso, mas eu não.


Muitos dinamarqueses brincam dizendo que Malmö é tipo uma segunda parte de Copenhague, um bairro grande. Afinal, muitos deles moram lá, onde o custo de vida é relativamente mais barato, as leis imigratórias menos rígidas, e o salário menor - algo que os levam a continuar estudando/trabalhando em Copenhague.
E também a cidade não é lá muito diferente: bem plana, com poucos prédios (nenhum deles com mais de três ou quatro andares), antiga, bem cuidada, e com a exceção de poucos detalhes (como os ônibus verdes), e, claro, a língua oficial, é a mesma coisa. Entender sueco para dinamarqueses é mais ou menos como brasileiros querendo entender espanhol, e vice-versa. Então é meio que tranqüilo.

Agora, do nada, estou morando aqui....  

Tudo começou quando...

Quando voltei pra Dina, e fui morar com Nadia em meados de 2007. Eu não sei bem o que pensávamos, mas acho que já havia uma certa noção de que não daria pra enrolar as autoridades locais para sempre.

Eu passei os primeiros seis meses sem um visto oficial, pois eles ainda estavam analisando meu processo, que, digamos, era diferente, pois eu queria entrar numa escola onde tocaria música o dia inteiro, com diversas bandas, criando um repertório, para depois sair por aí tocando, e no fim do mês recebendo um salário legal. Era uma escola que, a não ser pelo aquecimento vocal diário no início das manhãs e das tentativas esporádicas (e fracassadas) de se criar aulas de teoria e prática musical, não tinha horários fixos (a não ser chegada e saída), e onde várias vezes você fica morgando sem saber o que fazer. Não que eu não tenha aprendido muito lá, pois os professores são ótimos (foi um deles me converteu ao jazz), e você evolui na sua musicalidade, aprende a lidar com músicos e bandas diferentes, etc, tudo bem prático. Mas, de qualquer maneira, é uma escola pra jovens dinamarqueses que geralmente não decidiram que rumo tomar na vida, que educação escolher.
Era a única escola na qual eu poderia começar em qualquer dia do ano - algo que se encaixava bem às minhas necessidades -, e na qual eu seria pago, pois já que meu visto era de estudante, eu não podia trabalhar em lugar algum, então pra mim isso foi um bônus.

O visto finalmente chegou, comecei a estudar lá em dezembro de 2007, fiz novas amizades, aprendi muito, mas como não passei no teste pra entrar no MGK (musikalsk grundkursus), fiquei meio perdido. MGK é o curso que te prepara pra entrar no Conservatório de Música, que aqui é o nível mais alto que você pode atingir como músico. É bem concorrido, com bons professores, e por isso é bem difícil de entrar.

Foi a primeira dificuldade: como renovar o meu visto até o ano que vem, quando poderei tentar entrar de novo?

Graças aos meus professores e à coordenadora, que escreveram uma carta me elogiando e dizendo como eu era importante pra escola, consegui renovar meu visto por mais um ano na mesma escola.

No início de 2009, passei no teste para entrar no MGK, e parecia ter meu rumo definido. Disse adeus à Greve Produktionsskole, e mandei uma nova aplicação para um visto de estudante no MGK. Enquanto esperava por ele chegar, as aulas começaram e eu comecei a ir, e pra minha felicidade era justamente aquilo que eu queria fazer.

A bomba veio então. Quatro meses depois de já ter começado o MGK, recebi uma carta da Imigração dizendo que essa escola, para qual eu ia duas vezes por semana, não era suficiente para eu ganhar um novo visto, e eu tinha 30 dias para deixar a Dinamarca.

Choque.

Mas a carta também disse que eu tinha o direito de reclamar, e com a ajuda da diretora da nova escola (que ficou furiosa com a notícia) e de Nadia, fizemos uma reclamação com argumentos bastante inteligentes, que me deram esperança de conseguir o safado do visto. E enquanto eles reanalisavam meu caso, eu tinha o direito de ficar.

Continuei indo para o curso, me sentindo vitorioso. Terminei o primeiro ano letivo com boas notas, novos amigos, uma banda onde eu tocava e cantava música latina e ganhava um certo dinheiro, enfim, com a vida encaminhada.

Daí, poucas semanas antes de visitar o Brasil, recebi uma nova carta, dizendo que meus argumentos não eram válidos e que eu tinha que deixar o país em 30 dias. Brincadeira, bicho. Com pouco tempo e grande estresse, Nadia e eu preparamos novos documentos, e mandamos uma nova aplicação, dessa vez para união de família, já que ela e eu moramos há um bom tempo juntos e temos documentação para provar.

Temos tudo que eles requeririam para a aprovação. Mas, claro, a Dinamarca tem uma lei que diz que se você não é cidadão dinamarquês e quer se casar na Dinamarca (com um dinamarquês), os dois têm que ter 24 anos, ou 23,5. Na verdade, casar até pode, mas se vocês não tiverem 23,5 anos de idade, o casamento não lhe garante o visto.


Então, mandamos essa nova aplicação mais como uma desculpa que nos ganhasse tempo, pois já tínhamos Malmö na cabeça. Sim, Malmö, ligada a Copenhague pela ponte do amor, para onde muitos dinamarqueses apaixonados se mudam com seus amados(as), pois na Suécia não existe a tal Lei dos 24 anos.





A mudança

Desde que recebemos o primeiro não, em Dezembro de 2009, Nadia e eu começamos a procurar por apartamentos na cidade sueca. Entretanto, pelo fato de crermos que nossos argumentos eram fortes e que no fim eu conseguiria ficar por pelo menos mais um ano, não demos tanta ênfase à procura quanto talvez devêssemos, e todas as pessoas com as quais conversei tiveram a impressão de tudo se resolveria sem problemas.

Mas achar apartamento em Malmö é muito difícil.

Tão difícil que, uma conhecida minha brasileira e seu marido dinamarquês tiveram que comprar um apartamento aqui pois não conseguiram alugar nada. Mas Nadia e eu não temos tanto dinheiro assim. Então, continuamos a procurar, e quase conseguimos um.

Um rapaz para o qual tínhamos escrito ligou pra Nadia e perguntou se poderíamos ir olhar o apartamento na quarta ou domingo, de preferência no domingo, e se a gente gostasse, já poderia se mudar. Então ficou combinado de irmos lá no fim da semana.
Estávamos prontos, literalmente saindo da porta, quando Nadia ligou pra ele só pra confirmar o horário, e ele disse: "Ah, você não recebeu minha mensagem? Eu já entreguei o apartamento pra outra pessoa na quarta-feira." Ah, o ódio. Por que então ele não pediu pra gente ir na quarta? O fato é que perdemos a chance. E fora ela, não chegamos nem perto de conseguir algum outro lugar. Se você achar um anúncio de apartamento 1 hora depois dele ter sido escrito, pode esquecer. Uma vez ligamos pra uma mulher que disse que 50 pessoas já tinham ligado pra ela, poucas horas depois d'ela ter colocado o anúncio.

Quando o segundo não chegou em meados de junho de 2010, apesar de não crermos que eu receberia um sim, sabíamos que estaríamos comprando tempo, e que como era um novo caso, uma nova aplicação, eu poderia reclamar novamente e ganhar ainda mais tempo. Assim, fui pro Brasil com Nadia e tive umas férias incríveis.

E voltei pra Dinamarca sem problemas.


Até que, no início desse mês de Setembro, recebi o terceiro não. E dessa vez dois policiais bateram na minha porta e fizeram questão de me entregar a carta pessoalmente. Eles foram simpáticos, mas a notícia que traziam era a pior de todas: minha aplicação fora negada, e dessa vez, mesmo que eu reclamasse, teria que esperar pela nova resposta na minha terra natal, o Brasil. Haja dinheiro pra ir e voltar. Não só isso: Dessa vez eu tinha só 15 míseros dias para deixar o país! E não só isso: Nadia tinha comprado passagens com a irmã, tia, e mãe para Kraków, Polônia, para celebrar os 50 anos da mãe. Ou seja, dos 15 dias que eu tinha sobrando, ela passaria 4 longe de mim. Foi um terror. Pensei que dessa vez não tinha escapatória. O jeito era voltar pro Brasil, e que Nadia me seguisse depois. O que ela faria lá eu não sei, mas enfim. Foi um chororô, uma tristeza profunda, e ao mesmo tempo um alívio de saber que iria pra um lugar onde não precisaria renovar o visto a cada ano. Mas ter que recomeçar tudo de novo seria tão difícil, e diferente...

Mas eu tinha subestimado meus amigos daneses.

E quando eles se deram conta da gravidade do problema, começaram a mover peças, contactar seus amigos, parentes, enquanto Nadia e eu procurávamos por soluções.

Chegamos a achar um quarto em Malmö por conta própria, mas não deu certo.

Felizmente Søren, o baterista da minha banda Latin Fanatics, contactou sua prima que mora em Malmö com o namorado (ambos dinamarqueses), e eles, que têm um quarto vazio no apartamento que moram até fevereiro de 2011, decidiram nos ajudar.

Resumindo: aqui estou eu, escrevendo-vos das terras fartas da Suécia, num quarto maior que o apartamento que tínhamos em Roskilde, esperando pelo visto que deve chegar em alguns meses sem problemas, pois graças ao fato de que moramos há mais de 18 meses juntos, nem casar precisamos (casamento vai ter que esperar alguns anos!). E assim que tivermos mais documentos, vamos começar uma nova e árdua procura por um apartamento maior, só nosso, onde possamos nos estabelecer e viver, felizes, a partir de 2011.



Tudo vai se encaixando, e espero que dessa vez dê tudo certo. Com o visto que receberei, só vou precisar me preocupar com renovação daqui a 5 anos, quando poderei obter o visto permanente.

Viva a Suécia, viva Nadia, viva Søren, minha família, e meus amigos!


Ah, e eu cortei o cabelo! (Nadia nem viu ainda, pois tá em Roskilde cuidando de umas coisas). Surprise!