Músicas de Raphael

sexta-feira, 5 de março de 2010

Primavera, verão, imigrantes, imigrantes...

Parece estar chegando. Depois de dois meses brancos de neve, nos quais desgastei  meus sapatos como nunca pra que não escorregasse no gelo da calçada, veio um dia ensolarado. Duas vezes. Está começando a amanhecer mais cedo e anoitecer mais tarde.
Ontem dormi na casa da minha sogra em Copenhague, e hoje pela manhã, no caminho de volta pra casa, quase que coloquei meus óculos de sol. Só resisti porque achei que seria uma cena ridícula: eu de jaqueta, cachecol, e óculos escuros.

Foi realmente um dia lindo. Ao chegar em Roskilde, cidade onde moro, fui a biblioteca, e depois comprar lâmpadas com Nadia. Até a janela ficou aberta por uns momentos enquanto limpávamos o apartamento. O que é bizarro, pois apesar do solzão ainda estava fazendo 1 grau acima de zero, e um vento incrivelmente gelado. Mas o sol realmente muda a cabeça das pessoas. A minha vida inteira eu desprezei previsões de tempo, e meteorologia em geral.  Mas também, nada fazia diferente. Era sempre o mesmo calor em Recife. O ano inteiro. Na Flórida, foi a primeira vez que dei importância, por causa das poucas semanas abaixo de 20 graus no fim do ano/início do ano. Mas aqui, a sua vida depende disso. Muita neve significa trens e ônibus atrasadíssimos. Muito sol também. Às vezes até chuva. O verão é tão instável que mesmo nos dias mais quentes de julho você tem que assistir a previsão do tempo, pois no fim da tarde pode dar uma esfriada e você deve sempre ter uma jaqueta consigo, não tão grossa e quente como a que se usa no inverno, mas uma que te proteja. Ou basta um grupo de nuvens cobrir o sol que pode esfriar temporariamente. É bom porque refresca, mas tem toda a adaptação pra alguém que vem do nordeste brasileiro, que muitas vezes na sua infância saía só de shorts pelo dia ou até pela noite pra brincar com os amigos. Aqui eu vejo as crianças mais jovens completamente empacotadas, é engraçado. Andam desajeitadas, brincam com a "fumaça" que sai quando falamos e respiramos no frio. Coisa que, por sinal, eu fiz muito por aqui nos dois primeiros anos após minha chegadas.

Mas então, eu cheguei a considerar o fato de minhas futuras crianças crescerem por aqui. Não só pelo frio de 6 meses (ou 8-9 meses se você for brasileiro), mas pelo fato de que elas não falarão português. Afinal de contas, por que falariam? Com Nadia eu falo em dinamarquês e inglês; até comigo mesmo (como escrevi no primeiro post desse blog), às vezes olvido o português por completo. A maior parte do português pronunciado por aqui vem das músicas que ouço. Ou dos gritos de quando assisto futebol.
Meu professor de piano na escola de música é filho de português com dinamarquês (acho que o pai que vem de Portugal), e ele não fala português algum. Como é que meus filhos vão falar com seus avós, tia, e toda a minha familia no Brasil?
Eu comentei isso com Nadia e ela disse que quando tivermos filhos, eu devo falar um pouco português com eles, cantar português quando eles forem bebês. Quem sabe até não os coloquem numa escola de português se achar alguma, ou eu mesmo possa ensina-los em casa. Contanto que eles aprendam a língua de onde quer que estejamos morando, seria legal.
E a cultura brasileira? Sinceramente, não discuti isso a fundo com Nadia, mas prefiro a nossa cultura um milhão de vezes à dinamarquesa. Apesar d'eles terem umas tradições bonitas por aqui e tal, antes dos meus filhos nascerem, realmente vou ao Brasil comprar tudo que é livro de folclore, as historinhas que eu ouvia e tudo o mais, vou encher a cabeça deles do Brasil, de saci pererê a papa figo, boto cor-de-rosa, uirapuru, comadre florzinha (eu só sei histórias de dar medo), mas vou lembrar outras uma outra hora. E deixar a parte européia pra a mãe.
Tudo isso porque já posso até imaginar, no futuro, eles sendo bem próximos a família de Nadia (que é bem pequena), e completamente estranhos à minha (gigante, espalhada de norte a sul do país). Nem que a pau! Cheguei até a oferecer pra Nadia: "vamos nos mudar pro Brasil, ir à algum lugar no Rio do Grande Sul (onde é mais parecido com aqui), e criar nossos filhos lá." hehe, mas duvido muito mesmo, vamos ficar por aqui. Meus filhos não serão brasileiros! Desde quando virei tão nacionalista? Um horror.

Talvez nossos filhos nem falem dinamarquês, mas sueco. Afinal de contas, com os problemas que ando tendo com visto daqui, só tendo permissão pra estudar sem trabalho, tendo problemas pra renovar todo ano, nosso plano é ir pra Suécia mesmo. Tem uma ponte entre Copenhague e Malmö, que faz com que essa grande cidade sueca fique a meia-hora da Dinamarca. É o que chamam de ponte de amor por aqui. Como a Dinamarca tem uma das leis mais complicadas, exageradas, burras e anti-imigrantes do mundo, muitos daneses que se apaixonam por gente como eu e você se mudam pra Malmö. Lá, casados ou como parceiros, eu ganho visto de 5 anos na Suécia (com direito a trabalho!), e depois dos 5 anos posso ganhar passaporte sueco e morar onde quiser na União Européia. Então mesmo que consigamos renovar meu visto, já aplicamos pra vários apartamentos, e esperamos conseguir um em breve, pois, apesar d'eu estar começando a ganhar dinheiro por aqui como músico, ainda preciso de um back-up, alguém que traga mais dinheiro certo e que me deixe ajudar mais em casa. E assim possamos morar num apartamento maior que o atual.
Pra Nadia não vai mudar tanto, ela vai transferir a escola pra Copenhague e arranjar um emprego em Malmö. Eu vou continuar estudando onde estudo (a viagem vai durar quase duas horas, mas somente duas vezes por semana), vou tocar em Copenhague, Malmö, e arranjar um emprego part-time na Suécia.
Então, meus filhos, ao invés de escreverem "Tak" (obrigado), escreveriam "Tack", hehe. Não, é mais que isso. É como se, ao invés de português, eles aprendessem espanhol. Mas se quisermos, provavelmente já poderemos nos mudar de volta pra Dinamarca antes de ter qualquer criança.

Pois essa é a vida do imigrante.

Em julho, eu e Nadia vamos ao Brasil, por um mês. Meu plano é passar duas semanas em Salvador e duas em Recife. No meio do inverno! Só espero, por causa dela, que não chova tanto. Sei que não fará frio como aqui, mas enfim. Já a alertei tanto quanto ao fato de que lá será "inverno" (25 graus em Recife? hehe), que ela até ficou com medo de se decepcionar. Espero que hajam dias de sol enquanto estivermos lá.
Os livros de folclore, só daqui a uns anos. Mas vou levar o mínimo possível, pra poder me encher de música brasileira e trazer pra cá. Instrumentos, LPs, roupas... é.
Ah, acho que ainda não falei pra ninguém, mas fim desse mês estarei na  Hungria com um amigo. Ele é de lá, então a hospedagem não custará nada. Compramos a passagem há muitos meses atrás, quando as vacas ainda estavam gordas, porque o violonista de flamenco Paco de Lucia vai tocar lá, e não virá pra Dinamarca durante a turnê... e eu tenho que vê-lo!

Ah, não tô escrevendo nada com nada. Também, meia-noite e meia... é difícil me concentrar ouvindo o disco do Yamandu Costa.

Um abraço.