Músicas de Raphael

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O visto, e o futuro, (e o passado)

Depois de 1 ano e meio esperando que algo acontecesse, meu visto finalmente chegou. Quem vem acompanhando minha história sabe que não foi fácil: passei um estresse que quase me desgastou por completou, quase me fez desistir, quase venceu. Quase.

E não sem uma última luta.

Em dezembro de 2010, quando a chegada do meu visto era esperada (e eu já não aguentava mais), eu recebi uma carta da Imigração Sueca sim, mas com a resposta mais inimaginável possível até então: meu visto fora recusado. Como assim? Depois de tudo, da saída da dramática da Dinamarca, da certeza de que não teríamos problemas, do começo forçado de uma vida em um outro país?
 Lembro que tinha acabado de chegar do meu curso, já era noite, e Nadia tava sentada na cadeira onde sento agora, com uma cara mais irônica do que triste. Obviamente, ela já tinha lido o que estava escrito.

Mas, ao menos, eles não me deram uma data exata para sair do país, e depois de várias ligações nos dias que sucederam o choque, fomos informados de que poderíamos mandar uma nova aplicação, ou várias aplicações se assim desejássemos, pois não existe um limite exato. O sistema aqui realmente é mais aberto. Então, entregamos a nova, melhorada aplicação.

A razão pela qual eles inicialmente disseram não, foi que Nadia não tinha demonstrado ter dinheiro suficiente pra nos sustentar. Pois é, até o dia que receber o visto, eu não posso trabalhar, então é ela que tem que provar que tem o que se pede. Ela teria que ter mais ou menos 2 mil reais por mês sobrando (depois de pagar o aluguel e as contas), ou ter uns 50 mil reais em sua conta bancária, pra que eu possa ficar. É um pouco demais, pra uma estudante. Mas é a lei deles. Lei que não escrevem direito, e que nos confundiu.

Felizmente, Nadia tem uma tia que é bem de vida, e que nos assinou um documento dizendo que complementaria o que faltasse, mensalmente. Claro que, na verdade ela não vai complementar nada, mas está escrito, ela tem a grana, e é isso que eles queriam ver. Então, entregamos a nova aplicação com os documentos atualizados, e em poucas semanas, no início de janeiro, meu visto chegou. Fácil. Mais umas duas semanas, e eu já estava registrado e completamente legal no país. E assim acabou a saga imigratória.

A vantagem é que aqui tenho visto de trabalho. Acreditem, todos esses anos na Dinamarca e eu não pude trabalhar. Só tocando música, mas isso nunca foi o suficiente. Nunca fui independente.Nunca ganhei experiência nesse sentido. E já está na hora.
O visto também é melhor, porque é válido por 5 anos. Não vou ter que me estressar ano após ano como fazia na Dina, tendo que achar razões pra que me deixem renová-lo. Depois dos 5 anos, eu recebo um visto permanente. Então parece que meus problemas estão se resolvendo...

E novos estão surgindo.

Nada que me alarme. Mas agora começa a busca de emprego num país que sofreu com a crise econômica mundial, e num país cuja língua eu ainda não domino, por mais semelhanças que ela possua com o dinamarquês.

Conseguir me matricular nas aulas de sueco já foi uma novela, por causa de uma lei que eles têm que diz que se eu morei na Dinamarca e fiz curso de dinamarquês lá, eu já praticamente falo sueco, então teria que fazer o tal curso com outros dinamarqueses, num nível muito maior daquele que realmente posso. Mas, no fim tudo se resolveu, e eu vou conseguir estudar com outros imigrantes sim, porém não no nível 1, mas sim no 2 ou 3. Tenho que esperar numa fila porque é muito imigrante pra pouca vaga. Mês que vem é quando eu espero que comece. Ah, e o cara que me ajudou parece brasileiro, tem pai brasileiro, mas não fala português: é completamente sueco. Espero que meus futuros filhos não fiquem assim.

Já estive no arbetsförmedlingen, onde vão me ajudar a arranjar emprego, por causa da dificuldade com o idioma. Eles poderem até oferecer pagar 80% do meu salário pra que alguém me contrate - uma beleza. Vou ter um guia que vai me falar sobre as leis, como devo fazer, etc. No começo quero qualquer emprego mesmo, limpando o chão, lavando louça em restaurante, o que seja, ainda mais porque já disse que não falo sueco. Depois disso, vou adquirir experiência, e vou falar o idioma melhor, podendo assim partir pra outras cousas. O fato de que falo inglês, português, dinamarquês, e um pouco de espanhol também vão contar. Mas o que me importa agora é dinheiro, la plata, e poder dizer pro meu pai: chega de me ajudar, velho, de agora em diante eu me viro - mas obrigado pela ajuda, claro.
Aos 23 anos e meio de idade, é a primeira vez que vejo minha independência no horizonte. (E daí também não vou me sentir tão mal por saber que Nadia é quem recebe mais!)


Então, parece que meu futuro está se definindo.

Dá até um certo medo. Fico de lá pra cá desde os 15 anos de idade, não sei se vou querer parar em algum lugar. E, pra ser 100% sincero: a idéia de voltar ao Brasil, que no começo parecia ser a única saída, já não me era tão ruim. A não ser por Nadia, e pelos bons contatos musicais que tenho aqui, não teria problemas em morar na minha terra. Também pensei muito na Espanha, sei lá, pra me identificar com o país de onde parte do meu sangue veio. Madrid foi o lugar que mais me tocou até hoje, dos lugares que já visitei na Europa. Quem sabe um dia.

Por enquanto, aqui estou eu, em Malmö, na Suécia. Acho que as dúvidas sempre vão existir, ainda mais numa cabeça tão indecisa. O medo de que meus filhos sejam ainda mais distantes da minha família do que eu sou dos meus parentes (que moram no Amazonas e em São Paulo, distantes de Recife ou Salvador). O medo de que nada dê certo, e que no fim, depois dessa luta imensa pra ficar, eu tenha que ir.
Será que estou fazendo o que é certo? Será aqui o meu destino final? A Família Carvalho/Gimenes, espanhola, portuguesa, indígena, aparentemente com uma pitada de judeus, brasileira, se expandindo nas terras frias da Escandinávia?

Não sei.

Só sei que agora que meu nome está oficialmente registrado nesse endereço, eu recebi uma carta da Imigração Dinamarquesa de 4 meses atrás, novamente me informando da decisão tomada sobre o meu caso, e que eu tinha que sair do país o mais rápido o possível.
Eu ri. Mas foi um riso irônico, doído, e amargo. Que outros problemas imigratórios estão reservados para mim aqui na Suécia? Qual será, e quando será, a próxima provação? Será que eu vou aguentar? Qualquer que seja quantidade de amor que ainda existe dentro de mim por esses países, eu não sei. Mas tenho que tentar.

No fim de agosto do ano passado, ao receber a visita da polícia e ser avisado que tinha que deixar a Dinamarca, eu escrevi uma canção. Talvez venha a ser a primeira canção que eu grave por completo em mais de 2 anos (apesar de ter escrito tantas durante esse tempo).
Inspirada nos violeiros repentistas do nordeste, ela se chama A Serra das Russas, com uma letra simples e honesta, sem ligar pra o que é clichê e o que não é.  

Pra nunca mais esquecer.



"A Serra das Russas"

O sonho já está perto do fim, João:
Não sei onde acordarei.
Continuo assim fugindo,
Envelhecendo,
Com o coração na mão.

Ia conquistar o mundo,
Mas o mundo nem me quer mais.
Ao invés de cortar cana,
Sob a mangueira, 

Eu cantei.

A areia que desperta o meu penar está
No outro lado do mar.
Mas é bem antes do mar, meu irmão,
Que a saudade vai ficar.

Sem esperança de obter
Permissão para viver.
Sei que um dia eu vou poder, João,
Mas antes hei de sofrer.

Verdes são as serras que atravesso sem parar;
E o sol já se esconde atrás do cacto.
Longe a boiada se conforma em pastar;
Cachoeira leva embora meu cansaço
.

Raphael Carvalho Gimenes
Melodia feita algum dia no final de agosto de 2010
Letra finalizada dia 26 de setembro de 2010

2 comentários:

  1. Admiro sua luta e acredito que nada do que você fez até aqui será em vão.

    Ter coragem para trabalhar em busca do próprio sustento, ter abertura para estudar - inclusive o estudo de diversos idomas - visando qualificar de maneira positiva e profunda seu papel no mundo, são duas coisas que farão parte de toda a sua vida. Mas, sobretudo, buscar em Deus a coragem e força para enfrentar a vida como ela vier - com suas alegrias e tristezas.

    Lembra-se das noites em que, deitado em sua cama, na hora de dormir, mamãe e eu ou um ou outro pedíamos pra você recitar: "Em Deus ponho a minha confiança e não terei medo" ? Era porque sabíamos dos desafios da vida e de como, ainda que as vezes dolorosos, eles exigiriam uma força superior dentro de nós para viver e ser feliz.

    Cara, acredito muito em você, na sua boa índole, no seu desejo de viver de maneira honesta e feliz. Continue firme. Estamos oradno diariamente por sua vida.

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  2. Aliás, uma correção: nunca fui 100% independente, mas desde o fim de 2007 a metade de 2009 eu recebia um bom dinheiro do meu trabalho/escola de música

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